Abelissauro é o t-rex brasileiro. Às vezes, autistanto!

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Guerra de todos, contra todos. Não é game!

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Para o filósofo Renato Janine Ribeiro uma leitura mais atenta da obra de Hobbes nos adiantaria que o estado de guerra de todos contra todos não seria a regra da pré-história da humanidade; para ele uma leitura mais completa do autor inglês nos revela que "en realidad, existen pactos que valen aún cuando no hay un poder estatal". Portanto, o estado de guerra de todos contra todos só poderia acontecer no advento um poder soberano, haja vista ser esse o cenário mais adequado à disputa dos interesses ao contrário do lugar do 'estado de natureza', em que as disputas provavelmente aconteciam muito mais pelo não cumprimento desses pactos que por um poder real e mensurável.

Segundo o autor brasileiro "una lectura más atenta del conjunto de la obra de Hobbes demuestra que el descontento con el poder legítimo proviene en último análisis de um manejo de las conciencias por um sujeto oculto y opuesto al Estado. En otras palabras, la revuelta no surge tan sólo de la ignorancia o de una desobediencia generalizada. No sucede por casualidad. La ignorancia de los súbditos y la desatención del gobernante solamente resultan incendiarias cuando la chispa es producida por ese escondido sujeto de la política, ese sujeto de patente ilegitimidad: la casta sacerdotal".

Hobbes trata especificamente da casta sacerdotal porque para ele a Igreja estaria comprometida com uma esfera específica da vida humana que o Estado não tem acesso, ou seja, a preocupação transcendente. Logo, no monopólio do uso desse sentido oporia a consciência dos fiéis à sustentação da legalidade e continuidade do poder estatal. Daí que o inferno figure como um território tão importante na capacidade de desafiar a legitimidade do poder instituído e, portanto, com ele realizar a disputa pelo controle do poder, configurando a guerra.

Mas o teórico político escreveu durante o século XVII e seu ponto de vista, hoje, não contempla a complexidade de um estado de guerra geral, ainda que o mesmo conceito seja pertinente. E é pertinente pois nos permite melhor localizar o papel da Igreja Romana nessa disputa na modernidade. Por exemplo, a linha de atuação do novo pontífice, Papa Francisco, na opção pelos pobres, não combate a concentração de riqueza e o enriquecimento exagerado e ilícito, logo não ajudar os pobres torna-se somente mais um artifício alardeante da iminência do inferno, ainda mais que nas sociedades ocidentais a opção religiosa entre os estratos mais ricos é cada vez menor. Em outra via, a disputa pelas consciências através da expectativa do transcendente também é a tônica dos protestantes que no Brasil, mais especificamente, tomam corpo de partidos políticos e bancadas evangélicas. Sujeitos que à maneira religiosa inflamam a guerra como entes escondidos, ou nas sombras.

Como dito, ponto de vista que não contempla a totalidade de hoje, pois tratar dessa disputa no contexto dos Estados contemporâneos é também lembrar o lugar de destaque da economia e das classes sociais que gera. Um exemplo. O vice-presidente boliviano Álvaro García Línera em conferência nos contou um pouco da experiência do país andino. Com a chegada de Evo Morales ao Poder Executivo e a constituinte visando a construção e consolidação de um novo Estado, o que se asseverou no horizonte político do mesmo foi a necessária crise ancorada na insatisfação geral. E por que a insatisfação deflagrou a guerra? A resposta é simples, porque o novo bloco de poder formado por indígenas, campesinos, trabalhadores pobres e trabalhadores da classe média (setores) ao agir na contramão dos interesses imperialistas dependentes demonstrou a incapacidade daquele Estado em cumprir seu papel de agente público equânime e garantidor da soberania nacional. Logo, os setores rentistas (alusão à obra de Lênin, O Imperialismo) e demais exploradores predatórios e dependentes se lançaram à tentativa de golpe no que o político e sociólogo denominou 'embate catastrófico', ou seja, tentaram reconquistar o poder à força num momento de guerra geral. Daí a importância da coesão deste novo bloco de poder, pois assim tiveram a capacidade de rechaçar a tentativa de levante antidemocrático, vide a tentativa de independência da província de Santa Cruz - a mais rica, e prosseguiram na consolidação de um modelo alternativo de poder consumado no Estado Plurinacional. A inflamação alimentada por setores escondidos na política foi devidamente aplacada por aqueles comprometidos com uma outra Bolívia possível, inclusive na disputa pelas consciências.

Mas a guerra de todos contra todos não se restringe a lugares por tratar-se de um estado, como o caso Argentino confirma. Observadas as diferenças, o caso argentino apresenta semelhanças com o caso boliviano confirmando a necessidade de inclusão da economia e das classes sociais na análise. Buenos Aires, por exemplo, é a província mais rica do país, mas não a que mais gera riquezas. Mesmo concentrando parte da atividade industrial, basicamente, trata-se de uma economia rentista - devido o controle sobre os recursos oriundos do escoamento de mercadorias via porto, o que gerou um arranjo de classes também distinto. Lá a classe média é muito maior que a boliviana, mais consolidada e menos distante das classes ricas, ainda que o percentual de pobres no total argentino só tenha crescido até o governo dos Kirchner. Como classe que se desenvolveu na prestação de serviços ao redor das necessidades dos rentistas, tendeu também a concentrar a atenção do Estado e das políticas públicas normatizando um determinado padrão de vida que segue, hoje, sendo universalizado à população, principalmente fora de Buenos Aires e na periferia da mesma. Melhorar as condições de vida dos mais pobres readequando os privilégios dessa classe agora como direitos fundamentais de todos e todas, logo uma readequação do estilo e qualidade de vida geral, deu a essa mesma classe média o lugar de sujeito político oculto inflamador da guerra, pois o que antes era tido como uma recompensa pela sustentação ideológica do constante enriquecimento dos ricos, principalmente durante a Ditadura Civil-Militar e os tempos de Neoliberalismo, agora é encarado pelo Governo como uma necessidade de Estado, ou seja, a redução das desigualdades e o fim dos privilégios. Obviamente esses setores tornam-se descontentes e se lançam à disputa pelos meios que dispõem inflamando a guerra, ainda mais quando o governo da presidenta Cristina logrou alcançar sólida composição no Legislativo que a permitiu, inclusive, dar o start na Reforma do Judiciário, consolidando definitivamente um modelo alternativo de poder. O embate catastrófico que tem a Plaza de Mayo como palco dá o tom da guerra, que além de tudo tem no tango o ápice da expressividade porteña, quem sabe político-porteña.

Como destaque, para García Línera a conquista do Judiciário representa uma etapa avançada nessa conquista que começa pelo Executivo, pois dá conta das necessidades imediatas das pessoas, depois o Legislativo, que assegura a construção de um tipo ideal de Estado e depois o Judiciário, que é mais geracional e onde está a segurança do Estado Democrático de Direito.

E o Brasil? Ah, o Brasil...

Guerra, Portinari
Definitivamente é deflagrado o momento de guerra de todos contra todos. As manifestações de Junho não nos deixam mentir! E também devemos nos ater um pouco mais à economia e às classes sociais para entender nosso momento histórico, que não é exclusivo como visto. Para Maria da Conceição Tavares em "Da substituição de importações ao capitalismo financeiro", a enorme presença de capital estrangeiro em nossa economia tornou-a uma das mais internacionalizadas e abertas do mundo, não encontrando similaridade em nenhuma outra. Na mesma medida, como resultado óbvio dessa estrutura temos uma sociedade dividida em classes profundamente desiguais entre si, configurando ricos radicalmente distantes dos pobres, além de extremamente dependentes em relação à burguesia internacional e financeira, e no meio, a classe média. Como no caso argentino, nossa classe média alcançou sua qualidade de vida como um subproduto da acumulação capitalista dependente promovida pela relação entre os setores da burguesia internacional e da burguesia nacional, representando também um estilo de vida como recompensa para a sustentação ideológica do enriquecimento constante dos ricos, e para tanto concentrou a atenção do Estado e das políticas públicas. Pois bem, em 2003 assume o Poder Executivo nacional o Partido dos Trabalhadores e com isso começa a se delinear um modelo alternativo de poder. Passamos pela crise de 2008, um momento que dificilmente as tensões se elevariam dado o cenário de incertezas, mas concomitante ao modelo anticíclico adotado na economia o que observamos foi a massificação do movimento de ascensão da Classe C. E aí a coisa mudou, pois continuamos aprofundando o modelo de Justiça Social e a redução das desigualdades, enfim, tomou corpo de um fenômeno na vida social brasileira. Até então nunca tinha sido de nossa cultura civilizatória a restituição como política de Estado daquilo que lesamos aos pobres, vide a plena inserção dos negros que estamos lutando desde a nossa libertação, e pela primeira vez caminhamos na direção de um país de todas e todas e com o compromisso de erradicar a pobreza. Assim, as tensões se acumularam e os grupos rentistas já não estão contentes, por exemplo, a primeira correção feita pelo Banco Central no ano de 1999 da taxa Selic foi de a elevação da taxa anual de 29,21% para 37,34%, mas não foi a maior de todas! Hoje a mesma taxa é de 7,90% ao ano. Mas a galera que depende dessas taxas de juros, pois pobre convive com taxas muito mais altas, tem outros meios de disputar o poder, seja através do controle sobre a produção e do crédito, da incorporação de desonerações aos lucros, praticando taxas médias de lucros acima da maior parte das economias no mundo, usando de artifícios para pressionar a inflação e o dólar ou manipulando a opinião pública através da mídia corporativa, falando mais claro, disputando consciências pela (des)informação. Já a classe média é outra história, pois como na Argentina, ela perdeu o lugar de domínio da atenção do Estado e das políticas públicas, além de uma readequação de estilo de vida com a aproximação da Classe C, o que provavelmente deve ser o mais doloroso, pois aí reside o declínio da ideia de exclusividade, princípio fundamental para que a mesma classe média servisse aos interesses de reprodução ideológica do capitalismo dependente como alerta Chico de Oliveira em "Crítica à Razão Dualista". Pronto, está deflagrado o estado de guerra de todos contra todos, pois em uma fatia as classes abastadas já demonstram o total descontentamento com o processo de menos enriquecer, em outra as classes sacerdotais, para ser fiel aos termos de Hobbes, tentam usurpar o poder do Estado desvirtuando sua laicidade, em outra a Classe C quer mais (como é de direito, afinal país rico é país sem pobreza) e na fatia derradeira a classe média que decide concentrar seu arsenal naqueles que sustentaram ideologicamente. No Rio de Janeiro, são os inocentes do Leblom e o os neoliberais da Fifa a mira preferencial. Movimento que não deixa dúvida a opção feita, pois coloca Democracia em risco mais uma vez ao deflagrar uma possível ascensão da direita e asseverando um 'embate catastrófico' que muito mais tende a alimentar em força a Casa Grande que a Senzala, pois definitivamente a classe média tende a dar as costas aos pobres por enxergar neles o fim da política de privilégios. Sem dúvida a apatia em defender também nas ruas a mais que urgente Reforma Política é o sinal claro de que essa classe, assim como os ricos traidores, não desejam a participação dos pobres. No estado de guerra de todos contra todos, numa ilusão de ótica, o inflamação se faz para importunar os de cima para repreender os da base!

Daí que numa clara disputa pelas consciências, no estado de guerra de todos contra todos, o sujeito escondido da política, esse sujeito, que ao contrário das palavras de Hobbes, patente de legitimidade deve permanecer no lugar da defesa incontestável, enquanto progressista, da instauração de um modelo alternativo de poder e não restaurador de privilégios. Daí que é preciso sair ao sol da participação cidadã e dar voz ao velho Marx: trabalhadores, uni-vos!

Uma observação, o autor Lênin também adiantou que uma das competências do capitalismo na especialização de tarefas foi descaracterizar as posições médias de comando, ou especializadas, como se fossem lugares ocupados por TRABALHADORES, gerando o que ele denominou por 'proletariado aburguesado', no geral - os lugares da classe média.

E aí, de que lado você samba?

Com informações de: Renato Janine Ribeiro | Maria da Conceição Tavares | João Sicsú | Lênin | Marx | Eduardo Galeano | Atílio Boron | Alvaro García Línera | Chico de Oliveira | Banco Central

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