Abelissauro é o t-rex brasileiro. Às vezes, autistanto!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Proposta de Lei Complementar 130/12

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No Livro I de "Ética a Nicômacos" Aristóteles escreveu: "toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as coisas visam". Pois bem, se tomamos a Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, como texto que, de alguma maneira, reflete o enunciado como arte, indagação, ação e propósito, necessariamente ela visa a algum bem. Basta, agora, refletir sobre, ou enumerar, que bem! Mas não nos assustemos pois trata-se de uma questão muito simples: o bem, neste caso, trata-se da superação da pobreza inscrita no atraso econômico-social brasileiro.

Falando de outra maneira, para além de assegurar o estabelecimento de um Estado Democrático de Direito, nossa Constituição só poderia ser dita Cidadã se a partir do reconhecimento das peculiaridades do desenvolvimento brasileiro se comprometesse com a referida superação, visto que não haja cidadania plena no contexto de desigualdades.

Para Florestan Fernandes em "A Revolução Burguesa no Brasil" [Formação da Ordem Social Competitiva], nos países subdesenvolvidos industrializados da América Latina "as estruturas econômicas, sociais e políticas, herdadas do mundo colonial, interferiram nos dinamismos do mercado mundial, tolhendo ou selecionando os seus efeitos positivos e restringindo o seu impacto construtivo sobre o crescimento econômico interno. A rigor, tais estruturas produziram um resultado útil apenas porque preencheram - onde tal coisa chegou a ocorrer numa escala eficaz - a função histórica de preservar o controle político de decisões econômicas vitais em mãos nacionais". E, para além da subserviência das elites econômicas e políticas, o autor também afirma: "sob esse aspecto, nem sempre as dificuldades à expansão interna do capitalismo procederam da 'resistência à mudança' por parte dos estamentos senhoriais. É a própria situação  'periférica' e 'marginal' das economias capitalistas dependentes de origem colonial que explica tal fenômeno, com seus reflexos estruturais e dinâmicos sobre a ordem social competitiva correspondente".

Sejamos claros, estamos tratando de desenvolvimento capitalista com justiça social. Daí que o desenvolvimento brasileiro no lugar de diminuir a distância entre ricos e pobres como o acontecido nos países desenvolvidos, logrou apenas aprofundar tais diferenças na expansão desse mesmo capitalismo. Estruturalmente o padrão é o de restringir o impacto construtivo sobre o crescimento econômico interno! À exceção dos últimos 10 anos, nunca foi comum na história brasileira alcançarmos algo como um desenvolvimento qualitativo, ou seja aquele também responsável pela distribuição de riquezas; basta observarmos o período do 'Milagre Econômico' em que as taxas de crescimento em torno de 10% ao ano estavam condicionadas à reconcentração de renda no país, ou somente crescimento quantitativo.

O bolo cresceu, mas não foi dividido! Afinal, nem era do interesse das classes que sustentaram o golpe civil-militar.

Assim, para Chico de Oliveira em "A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista" [O desenvolvimento brasileiro pós-anos 30 e o processo de acumulação], o que se verifica, por exemplo, é que "a industrialização sempre se dá visando, em primeiro lugar, atender às necessidades da acumulação, e não às do consumo". Pois, "pouco importa, para a 'rationale' da acumulação, que os preços nacionais sejam mais altos que os dos produtos importados: ou melhor, é preciso exatamente que os preços nacionais sejam mais altos, pois ainda quando eles se transmitam interindustrialmente a outras produções e exatamente por isso elevem também a média dos preços dos demais ramos chamados 'dinâmicos', do ponto de vista da acumulação essa produção pode realizar-se porque a redefinição das relações trabalho-capital deu lugar à concentração de renda que torna consumíveis os produtos e por sua vez reforça a acumulação, dado que a alta produtividade dos novos ramos em comparação com o crescimento dos salários dá um 'salto de qualidade', reforçando a tendência à concentração de renda".

No entanto, mesmo numa tendência de distribuição de riquezas como a verificada nos últimos 10 anos, os gargalos do desenvolvimento permanecem, pois o consumo de produtos continua garantido à medida que as classes favorecidas tradicionalmente seguem consumindo e o crédito garante o mesmo para a Classe C. Se a produção atendesse às necessidades de consumo e não as de acumulação - chegamos agora a mais um dos componentes estruturais do atraso brasileiro - mais de 47% da carga tributária hoje recolhida não viria deste consumo, segundo dados da Receita Federal. Ou seja, o Sistema Tributário brasileiro é outro desses componentes ao apresentar-se de maneira regressivo.

Conforma pesquisas do professor João Sicsú, economista da UFRJ, nosso sistema tributário é injusto e regressivo. Mas o que isto significa? Quer dizer que o governo, através do gasto público procura reduzir as desigualdades, mas, a tributação dificulta essa iniciativa.

Mais uma vez, registra-se que da carga tributária recolhida hoje, 47% dela advêm do 'consumo', menos de 5% advêm de 'transações financeiras' e da 'propriedade' e 20% da 'renda'. Dessa maneira as classes favorecidas reproduzem o status quo e o Estado segue se financiando no consumo e não no conjunto da economia. Como resultado, o observado é a baixa capacidade de expansão da atividade econômica pois esta é intrinsecamente vinculada à capacidade de consumo das classes sociais. Assim, os dados demonstram  que um pobre paga tanto quanto um rico quando vai comprar algum bem ou serviço no mercado. Como diz José de Almeida, "esta 'igualdade' faz a diferença, e para o mal. O impacto desse gasto para uma pessoa de baixa renda é muito maior do que para alguém de maior poder, pois este consegue gastar e ainda guardar, defendendo-se, aplicando sua obra em alguma forma de rendimento, que lhe ajuda a recuperar e até ampliar sua riqueza". Aqui, além de frearmos a capacidade de consumo como motor do estímulo à atividade econômica, também acrescentamos outro entrave ao barreirar a capacidade de investimento da Classe C.

Outro exemplo, dentro da OCDE, a carga tributária obtida em países como Estados Unidos, Suíça e Canadá advêm em mais de 50% dos impostos sobre a 'renda' e a 'propriedade'. Nesses mesmos países, o imposto sobre o 'consumo' é que não alcança sequer 20% da arrecadação total. É o Brasil mais uma vez na contramão do desenvolvimento qualitativo, repetindo o diagnóstico de Florestan.

Fato constatado é que o bem, enquanto superação da pobreza inscrita no atraso econômico-social brasileiro tem no sistema tributário outro forte entrave. Sabemos, de outro lado, que reduzir, simplificar e racionalizar a  tributação é muito importante, mas dentro de novos marcos que impulsionem o desenvolvimento qualitativo. Dentro do escopo maior da Reforma Tributária, então, o cumprimento do artigo 173, VII, da Constituição de 88 ocupa o lugar de um compromisso nacional com a realização deste bem.

O Projeto de Lei Complementar 130/12 de autoria do deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP) e co-autoria dos deputados Amauri Teixeira (PT/BA), Assis Carvalho (PT/PI), Cláudio Puty (PT/PA), Jilmar Tatto (PT/SP), José Guimarães (PT/CE), Pedro Eugênio (PT/PE), Pepe Vargas (PT/RS) e Ricardo Berzoini  (PT/SP), visa regulamentar o cumprimento do dispositivo constitucional referido taxando fortunas, ou renda, que estão acima de mais ou menos R$ 14 milhões. O Projeto prevê alíquotas de no máximo 1% e nas previsões somente cerca de 10 mil famílias se enquadrariam no perfil do imposto, ou seja uma imensa minoria, perfazendo cerca de R$ 10 bilhões anuais em arrecadação.

Se o interesse aqui é agregar instrumentos capazes de impulsionar o desenvolvimento qualitativo brasileiro com a superação da pobreza inscrita no atraso econômico-social do país, a proposta que segue é que os recursos do imposto sobre grandes fortunas, sobre a renda, seja obrigatoriamente vinculado ao cumprimento de ações governamentais de estímulo a:

a) individuais, pequenas e médias empresas e cooperativados no ramo da indústria e serviços;
b) pequenos e médios produtores, assentados e cooperativados vinculados ao desenvolvimento agrário;
c) individuais, pequenas e médias iniciativas e cooperativados no turismo de base local e economia criativa;
d) pequenas e médias iniciativas e cooperativados no ramo da reciclagem e do desenvolvimento de tecnologia limpa e informática.

Portanto, o que se pretende ao cumprir a Constituição em seu artigo 173, VII, não é o revanchismo como setores desagregadores da unidade nacional gostam de alardear, mas sim o cumprimento e realização de mais uma iniciativa no sentido de propor uma Reforma Tributária mais profunda que desonere a folha salarial e o consumo, melhorando, com isso, a capacidade de desenvolvimento da atividade econômica como um todo de maneira mais horizontal e diversificadora.

Para finalizar, de acordo com Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faleto em "Dependência e Desenvolvimento da América Latina" [Internacionalização do mercado], "por trás das lutas e aproximações políticas que as condições atuais de enfrentamento entre as classes e grupos incentivam atualmente, continuam presentes as contradições gerais provocadas pelo funcionamento do sistema produtivo baseado nas grandes unidades monopolistas, e as específicas, que derivam das condições particulares de um desenvolvimento capitalista que depende tanto de capitais quanto de técnicas e formas organizatórias geradas nos pólos dominantes do capitalismo internacional". Assim sendo, sem dúvida, a tentativa de superação dessas condições gerais e específicas passa por uma pactuação em nível nacional das diferentes classes que compõem a sociedade brasileira no esforço mais profundo de superação da pobreza inscrita em nosso atraso econômico-social através do desenvolvimento qualificado da economia pela diversificação das atividades. Logo, o chamado imposto sobre grandes fortunas torna-se nada mais que outro passo decisivo nesse esforço, afinal: País Rico É País Sem Pobreza!

Conheça o PLP 130/12 aqui.

Com informações de Florestan Fernandes | Francisco de Oliveira | João Sicsú | Receita Federal | Ipea | José de Almeida Amaral Jr. | pauloteixeira.com.br | Fernando Henrique e Enzo Faleto.

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