Sob forte pressão dos protestos populares que tomaram as
ruas do Brasil, algumas cidades baixaram o valor do reajuste das passagens do
transporte coletivo. Na maioria delas o valor revisto é menor em R$ 0,10
centavos e Pelotas (RS) segue na dianteira com R$ 0,15. Obviamente a motivação
popular têm outras origens que não só o descontentamento com o valor dos
transportes e a baixa qualidade do serviço prestado pelas concessionárias. No
bojo da insatisfação os serviços públicos como um todo, os gastos exorbitantes
com a Copa e políticos incompetentes e corruptos encheram o saco de geral!
Daí que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT),
anunciou na terça-feira (18/06) cogitar a possibilidade de redução das
passagens junto à convocação do Conselho da Cidade. Afirmou também que esta é
uma decisão a ser tomada pela coletividade, afinal implicaria no aumento de
subsídios: seja através de reajuste do IPTU ou de criação de um novo imposto
municipal sobre a gasolina nas bombas.
Pois bem, anda faltando uma coisa! Normalmente o que temos
assistido são esforços públicos no sentido da desoneração, como a promovida
pelo governo Dilma sobre o transporte público, ou subsídios estaduais e
municipais. Mas, do outro lado, empresas continuam operando dentro dos mesmos
esquemas de exploração predatória de serviços públicos com metas de
lucratividade sempre maiores. Lucro, aliás, mais elevado que a taxa média
praticada nas economias centrais. E, em geral, reina o silêncio seletivo sobre o
tema.
Em São Paulo o lucro médio auferido por ônibus é de cerca de
R$ 15 mil, com preços das passagens reajustados acima do IPCA. No Rio de
Janeiro o secretário estadual de Transportes é normalmente nome sabatinado
pelas concessionárias. Verdadeiras máfias, como é bem sabido, operam sempre no
financiamento de campanhas como as contas do governador Sergio Cabral (PMDB)
comprovam ou de legisladores estaduais quando relatórios de fiscalização sobre
transporte público são aprovados em tempo recorde e sem grandes contestações.
Isso para não dizer da situação de câmaras municipais!
A insatisfação também recai sobre a incapacidade do Poder
Público de fiscalizar as concessões feitas, ou os serviços em geral. São redes
de televisão que agem como partido, telefônicas que não oferecem os serviços
acordados em contrato, planos de saúde que negam atendimento, transportes mais
caros e piores, empreiteiras acordadas em cartel para concorrência em
licitações e mais uma lista que poderia ser cansativa. Porém uma coisa os une,
pois são partes da iniciativa privada financiadora ou apoiadora das campanhas
eleitorais pelo país.
Já clássico da civilização brasileira, a falta de clareza
nos limites entre público e privado fez com que a situação tenha chegado ao
limite do insuportável, afinal de contas iniciativa privada e iniciativa
pública têm caráter distinto uma da outra, mas não excludentes entre si. Portanto,
para a plena prestação de serviços públicos de qualidade e ação fiscalizadora
eficaz do Estado é preciso apartar a promiscuidade proposta pelo modelo de financiamento misto vigente, mas que é eminentemente privado, da atividade
política. Além do que, no contexto de capitalismo dependente e subdesenvolvido,
a atividade do setor privado tem se reafirmado como componente estrutural do
atraso brasileiro, ao contrário de impulsionar o desenvolvimento fomentado pela
ação pública.
No capítulo “o modelo autocrático-burguês” de “A Revolução
Burguesa” de Florestan Fernandes o autor afirma: “para libertar-se do capitalismo
dependente e subdesenvolvido a burguesia brasileira precisaria livrar-se, com a
maior urgência, do atual padrão de dominação burguesa e de solidariedade de
classe”. Porém, “como, enfim, o capitalismo dependente e subdesenvolvido
constitui uma criação de burguesias que não podem fazer outra coisa além de
usar os imensos recursos materiais, institucionais e humanos com que contam e a
própria civilização posta à sua disposição pelo capitalismo para manter a
revolução nacional nos estreitos limites de seus interesses e valores de
classe. Elas contêm, ou sufocam, por esta razão, as impulsões societárias tão
conhecidas ao igualitarismo, ao reformismo e ao nacionalismo exaltado de tipo
burguês, expurgando-as, por meios pacíficos ou violentos, da ordem social
competitiva. Ao mesmo tempo, fomentam e exaltam outras impulsões societárias de
tipo burguês, igualmente bem conhecidas, ao racionalismo acumulador e expropriativo,
ao egoísmo, ao exclusivismo e ao despotismo de classe, conferindo-lhes, por
meios pacíficos ou violentos, predominância na elaboração histórica da ordem
social competitiva. Elas se tornam, em suma, os agentes humanos que constroem,
perpetuam e transformam o capitalismo dependente e subdesenvolvido, levando a
modernização para a periferia e adaptando a dominação burguesa às funções que
ela deve preencher para que a transformação capitalista não só possa
reproduzir-se em condições muito especiais, mas, ainda, tenha potencialidades estruturais
e dinâmicas para absorver e acompanhar os ritmos históricos das economias
capitalistas centrais e hegemônicas.”
Como visto, o célebre Florestan Fernandes anotara que era
preciso superar o atual, ou aquele, padrão de dominação burguesa e de
solidariedade de classe o que, decididamente, permaneceu o mesmo, senão mais
arraigado pós-neoliberalismo e pós-tomada do poder central pelo Partido dos
Trabalhadores. Também não sei se posso dar apontamentos de como deveria se
portar uma classe a qual não pertenço, mas afirmo que o pleno destrave e
desenvolvimento das políticas públicas, hoje, só se fará se os mesmos
interesses como estão dados forem eliminados enquanto estruturantes do processo
eleitoral brasileiro através da Reforma Política.
Sobre o tema, de um lado, o mesmo PT vem encampando a luta
pela Reforma através de campanha para o recolhimento de 1 milhão de assinaturas
reivindicando o financiamento exclusivo de campanha, votos em listas
pré-ordenadas, etc. De outro lado, partidos e associações de classe que agem no
sentido de manter o status quo e
entre polos as manifestações, que legítimas no todo, falta nas partes, pois não
incorpora, por exemplo, de maneira massiva entre corações, mentes e cartazes a
Reforma Política.
E, mais uma vez, somente através da definição de novos
marcos que situem com objetividade a separação entre público e privado é que
teremos melhor capacidade de superar o atraso inscrito no capitalismo dependente
e subdesenvolvido, dando pleno desenvolvimento às políticas públicas e
alcançando as determinações constitucionais de universalidade e igualdade.
Assim, para além da belíssima participação popular que tomou as ruas do país
culminando na já histórica imagem do povo sobre o Congresso Nacional, teremos
as condições concretas de transformar o Brasil do slogan: “desculpem o
transtorno, estamos mudando o Brasil”.
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